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sábado, 10 de abril de 2010

O português voador

Pouca gente sabe no Brasil, mas Portugal estreou nas Olimpíadas antes de nós. Os lusos debutaram nos Jogos Olímpicos de Estocolmo em 1912, com uma grande “equipa” de seis atletas: os lutadores Joaquim Vidal e António Pereira; os atletas António Stromp, Armando Cortesão e Francisco Lázaro e o esgrimista Fernando Correia, que também era o chefe da delegação.

Destes, a estrela era o maratonista Francisco Lázaro. Lázaro era a grande esperança de medalha dos portugueses; na Maratona Portuguesa daquele ano, ele fez um tempo menor que o do vencedor da maratona olímpica de Londres-1908. Mas Lázaro, como muitos atletas olímpicos de seu tempo, não era um profissional. Ele era um simples carpinteiro e a corrida de longa distância era para ele uma atividade secundária. Ele sequer tinha um técnico e treinava sozinho: todo dia, após trabalhar na carpintaria, corria de Benfica até São Sebastião da Pedreira e voltava — um total de cerca de 10km. Nas Olimpíadas de Estocolmo, Lázaro foi o porta-bandeira da delegação portuguesa.
Uma maratona portuguesa, com certeza
Francisco Lázaro durante prova
No dia da maratona, 14 de Julho de 1912, um domingo, fazia um calor anormal para o verão sueco: 32ºC. Francisco Lázaro, apesar da adversidade do clima, estava confiante. Ele foi levado de automóvel até o estádio, onde logo foi até o vestiário. Os atletas se preparavam na linha de largada, mas Lázaro demorava a aparecer. Seus compatriotas encontraram-no enquanto ele — por favor, não riam — besuntava-se com sebo.

António Stromp e Armando Cortesão tentaram fazer o carpinteiro voador tomar um banho para livrar-se de toda aquela gordura sobre a pele antes do início da maratona. Mas não deu tempo. Francisco Lázaro, a maior esperança portuguesa de medalha, largou para a maratona olímpica todo ensebado. Não se sabe ao certo por que ele besuntou-se. Talvez ele estivesse pensando em se proteger do sol com aquele óleo todo, mas ele não percebeu que daquela forma ele não poderia transpirar.

Ele começou bem, logo estava na cabeça do pelotão. Mas já no km 15 era o 27º. colocado, quatro minutos atrás do líder. Ainda podia se recuperar; talvez estivesse guardando energia para uma explosão final. Dez quilômetros depois, era o 18º, dizia estar bem, mas tinha um pouco de sede. Com dificuldade, bebeu a água que os colegas lhe deram.

No posto seguinte, no km 35, esperava-se que Francisco Lázaro começasse a arrancada até a vitória. Mas ele parecia cada vez mais atrasado. O tempo passava — todo mundo passava — e Lázaro não aparecia. Seus colegas de equipa começaram a se preocupar. Cortesão e Fernando Correia, que estavam no estádio, já estavam alarmados àquela altura e resolveram partir em busca do Lázaro, fazendo o percurso da maratona olímpica no sentido inverso, só que num carro. Cortesão e Correia fizeram todo o caminho da maratona, mas não encontraram Francisco Lázaro. Aparentemente, Lázaro havia desaparecido, tal como ocorrera com o maratonista japonês.

O bigode não deixa dúvidas: Francisco Lázaro era português
Mas não era bem assim. O embaixador português na Suécia, António de Castro Feijó tinha recebido a notícia de que Lázaro abandonara a prova. Na altura do quilômetro 29, Lázaro havia cambaleado, caiu e levantou-se diversas vezes, tentando continuar a maratona. Até que caiu e não levantou mais. Um médico prestou-lhe socorro e chegou até a aplicar-lhe gelo. Lázaro foi levado a um hospital, mas não resistiu e morreu na madrugada do dia 15.

A autópsia revelou como causa mortis um “desequilíbrio hidro-electrolítico irreversível” — uma desidratação extrema. Com a pele besuntada, o maratonista português praticamente não podia transpirar. Ele já estava num ambiente quente, e praticava uma atividade física intensa. A temperatura de seu corpo subia cada vez mais. Mas os médicos também cometeram um erro: pensavam que era uma meningite. Ninguém teve a ideia de dar banho no pobre homem para limpar-lhe a pele e reidratá-lo.

Francisco Lázaro (1891-1912) foi o primeiro atleta a morrer numa olimpíada moderna. Apesar de todas as homenagens póstumas, como nome de uma rua em Lisboa e de um estádio português, Lázaro merecia ser galardoado com uma edição especial do Prêmio Darwin.

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