Pesquisar este blog

segunda-feira, 24 de agosto de 2009

Hapax Legomenon

Hapax Legomenon não é nenhuma espécie de legume nem de animal. Tampouco é o nome de alguma banda desconhecida.

Hapax Legomenon vem do grego “ἅπαξ λεγόμενον” e significa “algo dito apenas uma única vez”. Assim, esse é o nome de um fenômeno linguístico bastante curioso: as palavras que fazem uma aparição única numa determinada obra, numa língua e, também, são aquelas palavrinhas que são usadas uma única vez por certo autor. Eis alguns exemplos:

  • NORTELRYE (inglês) – o mesmo que “educação”; usado apenas uma vez por um único autor, Geoffrey Chaucer, poeta medieval e considerado por alguns como Pai da Literatura Inglesa.
  • AUTOGUOS [αυτογυος]  (grego arcaico) – possivelmente refere-se a algum tipo de aragem; aparece apenas uma vez na obra de Hesíodo. Ainda há dúvidas quanto ao significado exato.
  • SLÆPWERIGNE (inglês arcaico) – aparece apenas no Livro de Exeter, um dos mais antigos da língua inglesa, escrito em 960 ou em 990. O significado exato  da palavra não é conhecido. Há quem diga que é algo como “cansado e com sono”.
  • FLOTHER (inglês) – aparece apenas num manuscrito de origem obscura, datado do fim do século XIII. É o mesmo que “floco de neve”.
  • PANAORIOS [παναωριος] (grego arcaico) – Significa “muito fora de época” ou “muito fora de tempo”. Um dos muitos Hapax Legomena (esse é o plural) da Ilíada.
  • HONORIFICABILITUDINITATIBUS (inglês via latim) – Parece um palavrão, não é mesmo? Originária do latim, é a mais longa palavra inglesa com alternância de consonantes e vogais. É o plural ablativo de honorificabilitudinitas, que pode ser traduzido como “o estado de ser capaz de alcançar honras”. É uma Hapax Legomenon em inglês pois foi usada apenas por Shakespeare na seguinte estrofe de Trabalhos de Amores Perdidos, uma das primeiras comédias do Bardo de Avon:

“O, they have lived long on the alms-basket of words.
I marvel thy master hath not eaten thee for a word;
for thou art not so long by the head as
honorificabilitudinitatibus: thou art easier
swallowed than a flap-dragon.”

Costardo, Trabalho de Amores Perdidos, Cena 1 do 5º Ato.

  • SUMMERSETS (inglês) – é usada uma única vez em toda a obra dos Beatles. Aparece na música "Being for the benefit of Mr Kite", do famoso Sergeant Pepper's Lonely Hearts Club Band.
    É uma variante vitoriana de "somersaults" e teria sido encontrada por John Lennon num cartaz amarelado de um velho circo. Significa “dar um salto mortal” e tem origem francesa. Vem de sombresault, que, por sua vez é uma variação de sobresault. Assim, também pode ser traduzido como “sobressaltar”.

Hapax Legomena são muito comuns em textos bíblicos e, obviamente, em escritas que ainda não foram inteiramente decifradas, como é o caso dos hieróglifos maias, a única linguagem escrita da América Pré-Colombiana. A ocorrência constante de Hapax Legomena nesses casos dificulta ainda mais os trabalhos de decifração e tradução. Eis alguns curiosos exemplos bíblicos (esses você pode encontrar em casa!):

  • LILITH (לילית) – a única ocorrência no Velho Testamento está em Isaías 34:14. Em português, traduz-se por “animais noturnos”. Em inglês usa-se “corujas”.
    Mas, segundo a Cabala judaica,  Lilith é um dos mais obscuros personagens bíblicos, e teria sido a primeira mulher de Adão, antes mesmo de Eva. Para as antigas lendas hebraicas, Lilith teria se rebelado contra o sistema patriarcal pois se negava a deitar-se debaixo de Adão. Hoje, alguns a consideram como a primeira feminista. 
    Para manter o establishment, Deus teria enviado ao Éden dois anjos: Eva e Samael. Este teria tentado Lilith, sem obter sucesso. Mas Eva teria sido bem-sucedida ao seduzir Adão e ter filhos com ele.
    Enfurecida, Lilith passou a tentar destruir a humanidade recém-formada. Assim, ela – e não o diabo –  seria a serpente que tentou Adão e Eva e causou a expulsão da humanidade do Jardim do Éden.
  • GVINA (גבינה) – também ocorre apenas no Velho Testamento, em Jó 10:10. Normalmente é traduzido como “queijo”. Apesar de se referir a algo comum, essa palavra não existe no hebreu moderno e por isso é uma Hapax Legomenon.
  • GOPHER ou GOFER (גפר) – é parte da expressão madeira de Gofer,  material com o qual a Arca de Noé teria sido feita (segundo Gênesis 6:14). Há muita controvérisias sobre o que seria Gofer.
    Há quem defenda que seria uma espécie de árvore já extinta (obviamente, extinta durante o Dilúvio). Outros dizem que Gofer quer dizer simplesmente “cipreste” e não teria sido entendida corretamente pelos vários tradutores da bíblia.
    De fato, a Septuaginta Grega do século III a.C.  traduz o termo como  xylon tetragonon ou “madeira quadrada”.
    Mais tarde, a Vulgata Latina do século V  fala em lignis levigatis (ou lævigatis), que é algo como “madeira macia e aplainada”.
    Estudiosos judeus acreditam que Gopher é uma tradução para o hebraico de gushure i erini (“grãos de cedro” em Babilônio) ou de giparu (“junco” em Assírio).
    Outras sugestões de tradução:  “pinho”, “junípero”, “acácia”, “ébano” e até “piche”, o que faria “madeira de Gofer” transformar-se em “madeira com piche”.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Este espaço destina-se à ampliação das dimensões apresentadas no texto através uma discussão civilizada - o que exclui comentários que contenham ofensas pessoais ou qualquer tipo de preconceito (por cor, crença religiosa ou falta crença, gênero ou orientação sexual).

Postagens anônimas são permitidas, desde que não cometam qualquer abuso citado acima.

LinkWithin

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...